Do Sertão à Passarela: A Foz Transforma História em Moda Atemporal
Na passarela do SPFW, testemunhou-se o encantamento de “O Conto de Laura”, a nova coleção da marca Foz, assinada pelo estilista alagoano Antonio Castro. Inspirada em sua tia-avó Laura — uma mulher que, nos anos 1930, ousou desafiar o patriarcado e romper com a ordem social ao se juntar ao bando de Lampião —, essa coleção resgata, de forma poética e poderosa, uma memória apagada que agora encontra nova vida nas mãos de Antonio.
Como o próprio criador revela, a história de Laura foi silenciada ao longo das gerações de sua família, fruto da rebeldia de uma mulher que se recusou a se encaixar nos moldes impostos pela sociedade de sua época. Sua fuga, carregada de simbolismo, é agora reinterpretada por Antonio, que, em sua liberdade artística, reescreve essa narrativa em forma de roupas, utilizando os códigos do ofício para dar voz e vez a essa mulher que o tempo tentou apagar.
Na coleção, Antonio imprime a mesma força subversiva de sua tia-avó, traduzida em peças que, embora delicadas, carregam consigo a potência da resistência. Técnicas artesanais como a renda filé, o bordado, o bilro e o fuxico compõem vestidos, tops e calças que celebram a riqueza de um Brasil tramado por muitas mãos. Os tons terrosos e neutros, aliados aos tingimentos naturais, tecem um diálogo entre passado e presente, conectando o fazer manual com a herança cultural e reafirmando o valor dessas práticas na moda contemporânea.
O cenário do desfile adiciona uma camada ainda mais simbólica à narrativa. Sobre uma imponente cama de madeira com dossel — a maior já construída na Ilha de Ferro —, a atriz Nataly Rocha repousava, representando a letargia de uma memória adormecida. Quando, ao final, ela se levanta, revelando que os lençóis que a cobriam eram, na verdade, um longo branco com uma vasta cauda, o ato de despertar ganha uma força extraordinária — é Laura renascendo, assim como tantas outras vozes femininas que foram silenciadas ao longo da história.
Mais do que uma coleção de moda, “O Conto de Laura” é um manifesto de resgate. Antonio, enfrentando seu próprio “cangaço contemporâneo” nas ruas de São Paulo, ultrapassa as barreiras impostas para abrir espaço a uma moda que não apenas celebra o fazer manual, mas também reivindica seu lugar na narrativa cultural. Ele transforma memórias em arte, trazendo à tona histórias que, como a sua própria, precisam ser contadas. Ao fazer isso, vive seu sonho de olhos bem abertos, honrando as potencialidades de suas raízes e do talento que, na passarela, emociona profundamente quem o assiste.
Tanto a história de Laura quanto a de Antonio e sua Foz revelam que a moda é mais do que um simples ato de vestir: ela é uma linguagem múltipla, que também pode beber de memórias e sonhos. Na Foz a passarela deixa de ser apenas um palco de tecidos e formas, e se transforma em um território onde histórias ganham corpo, o presente é desafiado e o futuro, poeticamente, reimaginado.
Fotos: Agência Fotosite
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